Há algum tempo atrás estava voltando para casa de bicicleta num dia chuvoso e passei por uma avenida que alaga em toda chuva. Quando cheguei em casa, anotei na minha listinha mais um tema para a coluna. Pois a hora chegou!

Todo mundo que eu conheço reclama do descaso da prefeitura com a drenagem urbana. Mas são poucos os que reparam que existe um rio que passa por aquela avenida, ou melhor, uma avenida que passa por cima de um rio. Todo aquele concreto e asfalto comprime as margens do rio, mas a planície de alagamento (que deveria ser respeitada) continua ali, incomodando a ocupação humana e, num prognóstico pessimista, aquele rio será logo canalizado, como tantos outros rios que desconhecemos, porque passamos por cima deles sem ao menos notar sua existência.

Rio Poluído
Foto: shutterhack

Mas afinal, o que é um rio? Como se forma? As chuvas em regiões montanhosas correm pela superfície ou infiltram-se no solo formando o aquífero freático, uma espécie de rio subterrâneo, que em alguns pontos aflora formando a nascente de um rio, conhecida como “olho d’água”. Um rio pode receber águas de outros rios menores, que se tornam seus afluentes, aumentando seu volume e sua importância para os ecossistemas, até que finalmente desemboca no mar². Esse é o processo natural, antes do sujeito homem aparecer na história.

Alguns meses atrás, assisti um excelente documentário sobre a urbanização em São Paulo, “Entre rios” faz uma perspectiva histórica do desenvolvimento da cidade e como dois rios paulistanos passaram de elementos importantes da paisagem à entraves de um suposto progresso, por conta de um projeto político que desconsidera a dimensão ecológica, transformando-os em canais, por vezes subterrâneos.

A ocupação humana totalmente descolada do território, de suas particularidades, que modifica o relevo, endireita rios e soterra manguezais não pode ser vista como algo natural, “inerente a civilização”.

A gestão dos recursos hídricos por vezes, ainda é tratada como um problema de engenharia, ou seja, sua gestão tem como preocupação somente o acesso à água para atividades humanas, como o abastecimento, irrigação e uso na indústria. Em São Paulo e em diversas cidades do mundo, a história se repete: a poluição dos rios só foi ter importância quando impactava seus mananciais (rios em que água é usada para alguma atividade humana).

A ocupação humana totalmente descolada do território, de suas particularidades, que modifica o relevo, endireita rios e soterra manguezais não pode ser vista como algo natural, “inerente a civilização”.

 

 

 

 

 

É por esse motivo que vemos uma poluição generalizada dos recursos hídricos, de obras de engenharia de combate às enchentes. Luz & Ferreira (2011)³ relatam que a comunidade europeia adotou o conceito de qualidade ecológica como “uma expressão da estrutura e funcionamento das comunidades biológicas, porém levando também em consideração fatores naturais fisiográficos*, geográficos e climáticos, condições físicas e químicas das águas, e também impactos que resultam das atividades humanas.”

Esse assunto traz inúmeros desdobramentos que merecem ser aprofundados em outros textos. Mas a reflexão geral é que o modelo político-econômico, que orienta nossas relações com a natureza, traz uma forte concepção utilitarista do ambiente e, frequentemente, desconsidera a relação entre os ecossistemas, bacias hidrográficas, produção agrícola, ciclo hidrológico, urbanização, etc. e acaba por “setoriar” políticas, quando deveríamos é ter políticas territoriais.

Ou seja, todo e qualquer processo de urbanização deveria considerar seus rios e sua planície de alagamento não como mananciais ou locais de descarga de nossa poluição, mas considerar um dos importantes elementos da paisagem e “ajustar nossas atividades às condições que os ambientes proporcionam”, Luz & Ferreira (2011).

*Fisiografia: Descrição da natureza, da terra e dos fenômenos naturais; geografia física.
 
Colaboração: Rogério Santos

Charge

Referências Bibliográficas

1. Bertolt Brecht em: Sobre a Violência

2. Fujita, L. Como nasce um rio? Planeta Sustentável. Disponível em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/conteudo_431416.shtml

3. LUZ, L. D. ; Ferreira, M.T. . A questão ecológica na gestão dos corpos hídricos analisando os focos das diretrizes brasileira e europeia. REGA. Revista de Gestão de Águas da América Latina, v. 8, 2011, pgs. 19-31.