Excepcionalmente neste artigo iremos tratar sobre a urgente necessidade de prevenção de impactos e preservação de nossos mananciais e de nossa água doce disponível.

No último artigo estava previsto que trataria sobre as iniciativas das cidades sustentáveis, mas decidi modificar o rumo da conversa e falar a respeito da água, em decorrência da grave situação de nossos reservatórios, em especial, o da Cantareira, São Paulo.

Como chegamos a este ponto? O que poderíamos ter feito no passado para evitar chegarmos a esse ponto? Porque insistimos em não investir em prevenção ambiental? O Brasil não possui leis que tratem a respeito?

Dependendo do desdobramento dos reflexos nos próximos quatro meses, essas perguntas explodirão na sociedade e torcemos para que as previsões não se confirmem. Além, é claro de implorarmos a Deus pelo aumento dos níveis de chuva no local correto e para a sabedoria popular, para que rapidamente providenciem a contenção do desperdício de água.

Reservatório da Cantareira
Reservatório da Cantareira. Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

O sistema Cantareira, responsável por mais de 40% de abastecimento na grande São Paulo, é um sistema que pede socorro a mais de 10 anos, apesar dos níveis de água positivos que possuía. Pede socorro, pelo constante crescimento e ocupação territorial urbana sem controle e pelos índices de vazão acima de sua capacidade de captação.

Além, e não devemos deixar de apontar, que muito pouco foi feito para a ampliação de armazenamento, reaproveitamento de esgoto doméstico, contenção e tratamento de esgoto lançados nos rios e na ampliação de obras de captação de outros locais que abastecessem o sistema.

Aprovada a lei n° 9433 de 1997 que instituiu a política nacional de recursos hídricos, em alinhamento com a constituição federal, que em seu artigo 21 trata sobre os recursos hídricos. A lei, corretamente escrita, trata a questão como crucial, o conceito de preservação de futuras gerações e a preservação e defesa dos recursos hídricos, de eventos hidrológicos críticos ou do seu uso inadequado.

Vejamos que como objetivo a lei foi clara e mandatória, no sentido de que os governantes de Estados e Municípios se colocassem à frente da gestão dos recursos hídricos.

Durante estes anos comissões foram criadas (artigo 34 e 37), agências ( art. 41 a 44) , secretarias especiais do Estado ( art. 45 e 46), e a participação popular foi incentivada (art. 37 a 40). Inúmeras reuniões foram feitas, diagnósticos foram encomendados e uma agenda aprovada entre mais de 20 municípios, que se serviam do sistema Cantareira. Porém, o questionamento que fica é: O que foi feito com uma agenda prioritária aprovada em 1997?

Porque esta agenda não foi sumariamente implantada pelos municípios envolvidos? Mesmo que sob a coordenação do Estado de São Paulo?

O Plano Nacional de Recursos Hídricos foi adequadamente contemplado em Lei Federal, mais uma vez. Em seu artigo sétimo a lei determina que:

• Deve ser realizado um diagnóstico;

• Deve ser feita uma análise de alternativas ao crescimento do uso e ocupação do solo;

• Deve ser elaborado um balanço de disponibilidades e demanda futura de recursos hídricos e incluir as modificações futuras que poderiam ocorrer;

• Metas e medidas de racionalização, aumento da quantidade e projetos para cumprimento das metas futuras.

Vejam que a legislação sempre tratou de forma adequada (de maneira transversal/suprapartidária e emergencial) a necessidade de um trabalho integrado entre Estados e Municípios.

Durante esse processo de elaboração de plano de ação para que fosse atendido a lei, os municípios deveriam ter enquadrado os corpos d’água (rios e outros) da região mapeada, e classifica-los conforme resolução 357 de 17/03/2005 e resoluções 410/2009 e 430/2011 do sistema Conama.

Essa classificação se dividiria em águas doces (classe especial para o consumo humano Art. 4º.), salobras e salinas. Essa classificação exigiria um correto diagnóstico de estoque natural de todo o sistema que abastece o sistema Cantareira.

Além desta classificação, estudos elaborados por universidades sobre os potenciais de produção do sistema, e um balanço ambiental, de produção versus demanda.

No artigo 11 da mesma lei federal, o sistema de outorga foi redesenhado estabelecendo as regras de outorgas para o correto controle qualitativo e quantitativo do uso da água da região e do sistema Cantareira.

Na Seção IV da mesma lei, que contemplava sobre a cobrança do uso de recursos hídricos (artigos 19 a 31), foram tratadas todas as regras de cobrança e rateio de investimentos, o que rapidamente foi idealizada e implantada, até para realização de investimentos no setor pelas Operadoras do Estado.

Fomos organizados. Criamos agentes e secretarias de controle, permitimos a participação popular, encomendamos estudos técnicos respeitados e chegamos a um diagnóstico correto. Então onde o Estado falhou?

Claramente, pela situação em que chegamos, os trechos da política nacional de recursos hídricos falhou em sua implantação em pontos vitais para seu sucesso como:

• Na concessão de outorgas controladas pelos municípios (incluindo água subterrânea);

• Na implementação efetiva do planejamento de recursos hídricos futuros e controle da ampliação do consumo;

• Na integração política entre os municípios (controle de vazões, planejamento de consumo e estudos de demandas futuras);

• Na liderança unificada de emergência que deveria possuir liderança para priorizar a implantação dos projetos e, por fim, para colocar em prática todo o planejamento elaborado;

• Na efetiva implantação do plano de ampliação de armazenagem e novas captações. Obras estas que deveriam ter sido planejadas (e se foram, deveriam ser implantadas), prevendo o estoque do recurso, contendo o desperdício.

Além e por fim, falhamos na manutenção das informações de como esses recursos estiveram sendo consumidos ao longo desses anos todos, o que nos proporcionaria balanços atualizados de demanda versus capacidade produtiva.

Fomos por fim eficientes em cobrar. E como sustentar argumentos de cobrança de um serviço, que se exaure a cada dia? Fomos ineficientes em produzir e entregar.

Esperamos que nosso aprendizado com tal situação não seja mais dolorida do que já está sendo para regiões como Guarulhos e outras.

As medidas corretivas agora serão muito mais caras do que inicialmente planejadas. E o custo futuro, ao atendermos a própria legislação em vigor (art. 29 em diante) será muito mais dolorida para os orçamentos municipais, e de difícil argumentação para todos os participantes dos comitês e agências criadas junto a opinião pública.

Lição dolorida em ano de eleição. Iremos agora, para atender ao artigo 1º. Da mesma lei, ter que priorizar um bem que está cada vez mais escasso.

Cobremos a efetiva implantação emergencial do plano de captação do chamado “volume morto” e da efetiva implantação dos artigos da política nacional de recursos hídricos de hoje em diante, em especial o sistema de outorgas dos pontos de lançamento de esgoto e resíduos em corpo d´agua e na ampliação da capacidade de armazenamento e novas captações na qual o Estado possui uma agenda pesada de investimentos para este tema.

Sendo implantado efetivamente estaria nos salvando da atual crise que vivemos.

Em próximo artigo falaremos da prometida rede nossa São Paulo.