i-Stockr / iStock / Getty Images Plus A utilização do agrotóxico pode trazer diversas consequências negativas tanto para à saúde como para o meio ambiente.

Vários estados norte-americanos, entre os quais Arkansas, Missouri, Iowa e Tennessee, estão sendo palco de inúmeras manifestações de agricultores contra o uso do herbicida Dicamba. Os dois primeiros proibiram temporariamente a aplicação do produto devido a anomalias encontradas nas plantações após a pulverização dos cultivos de milho e soja transgênicos.

O Dicamba é um potente herbicida utilizado em plantações geneticamente modificadas para resistirem ao agrotóxico. As sementes modificadas para resistirem ao herbicida são conhecidas como Xtend e foram desenvolvidas pela multinacional Monsanto.

O problema, alegam os agricultores, é que o Dicamba se espalha aos cultivos que não utilizaram sementes transgênicas da Monsanto e, portanto, não são resistentes. Nesse caso, os efeitos podem ser devastadores pois as plantas crescem atrofiadas e com as folhas enrugadas. Além de sua toxidade, o Dicamba tem alta volatilidade e se espalha com facilidade pelo ar, o que o torna capaz de contaminar plantações de hortaliças, de frutíferas, de plantas ornamentais e até árvores. Embora o pesticida tenha sido aprovado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), o organismo federal está considerando rever as normas e impondo restrições mais severas para o uso do produto após os incidentes.

No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) liberou, neste ano, variedades de soja com a tecnologia Xtend, resistente ao herbicida Dicamba. A liberação da utilização da tecnologia desenvolvida pela Monsanto, para semente transgênica associada ao uso de determinado herbicida da própria multinacional. É mais um capítulo do vergonhoso recorde brasileiro de ser o país com o mais alto consumo de agrotóxicos do mundo, posição que mantemos desde 2008. Segundo dados da Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nos últimos 10 anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, enquanto no Brasil o crescimento foi de 190%.

As facilidades oferecidas pelo governo para a comercialização e utilização de agrotóxicos são inúmeras e incluem até isenções fiscais. O Governo concede redução de 60% do ICMS (imposto relativo à circulação de mercadorias), isenção total do PIS/COFINS (contribuições para a Seguridade Social) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) à produção e comercialização dos pesticidas.

Os privilégios concedidos aos agrotóxicos ganham maior dimensão quando comparado aos medicamentos: enquanto os pesticidas são tributados em 22% sobre o valor total do produto, os tributos dos medicamentos atingem 34%. Uma inversão total de valores, como se pode observar.

Se não bastasse o quadro atual, a situação pode piorar. Há duas iniciativas em curso que visam flexibilizar ainda mais a comercialização e a utilização de agrotóxicos no país. Trata-se do projeto lei 6.299 de 2002 e da medida provisória do agrotóxico articulada pelo Executivo Federal.

No primeiro caso, o projeto de lei 6.299, conhecido como Projeto de Lei do Veneno, ao qual foram apensados mais 17 projetos, entre os quais o PL 3200 de 2015 considerado o que mais atinge diretamente a atual lei de agrotóxicos (lei 7802 de 1989). O projeto pretende flexibilizar a liberação e o uso de pesticidas e outras substâncias perigosas. Entre as medidas está uma que altera a denominação “agrotóxicos” para “defensivos fitossanitários” com a clara intenção de mascarar a nocividade dos pesticidas. Além disso, estabelece que as novas avaliações de agrotóxicos não devem considerar os impactos à saúde e ao meio ambiente, e sua aprovação dependerá somente do Ministério da Agricultura, excluindo a Anvisa e o Ministério do Meio Ambiente do processo. Se aprovado, o projeto elimina até a utilização da caveira nas embalagens, símbolo universal de veneno amplamente conhecido.

A outra iniciativa posta em andamento pelo governo federal é uma medida provisória dos agrotóxicos, elaborada juntamente com a indústria do setor, que possibilita a liberação de produtos tóxicos utilizados na agricultura, atualmente proibidos por serem classificados como cancerígenos e teratogênicos (com risco de causar malformações fetais) ou capazes de causar outras doenças. A bancada ruralista e as multinacionais dos agrotóxicos têm grande interesse nessa medida provisória, que pode caminhar mais rápido que o projeto de lei.

Há necessidade de resistir a essas duas medidas e avançar na regulamentação da comercialização e utilização de pesticidas no Brasil. É inadmissível que continuemos a ser depositários de tudo que é proibido no resto do mundo. Não podemos permitir que sejam desovados estoques de herbicidas retiradas do mercado, como pretendem as companhias que detém o armazenamento desses produtos. O governo Temer tem funcionado na base da pressão. Neste quesito a bancada ruralista e associados tem alto poder de fogo, somente a sociedade civil articulada poderá barrar mais essa investida contra a saúde dos brasileiros.

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Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela UNICAMP. É especialista com pós-graduação em Ciências Ambientais pela USF. Foi professor e coordenador de curso em várias instituições de ensino, entre as quais: Mackenzie/SP, USF/SP, UNIP/SP, UNA/MG. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica, atuando principalmente nos seguintes temas: Administração, sustentabilidade, política pública, responsabilidade social, gestão ambiental, turismo. Recebeu em 2015 certificado de Menção Honrosa em reconhecimento à excelência da produção científica pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem inúmeros livros publicados em sua área de atuação pelas Editoras Atlas, Pearson e Saraiva entre outras.