Reprodução / Pouso do Rochedo O “pai” da floresta criada ao longo de décadas já foi chamado de louco.

Quando se fala na importância de mudar a maneira como as pessoas pensam e se relacionam com o planeta e seus recursos, não se espera que grandes alterações aconteçam da noite para o dia, menos ainda que hábitos e costumes sejam drasticamente transformados. Até por isso, a conscientização de novas gerações se faz tão necessária, visando o desenvolvimento de uma cultura sustentável mais comum à sociedade e o futuro dela.

Atitudes como a do sr. Antônio Vicente, comerciante de 84 anos, têm o poder de impactar não só a vida de pessoas que fazem parte do seu vínculo social, mas de contribuir incisivamente com o meio ambiente (árvores, animais etc.). Mas a história do homem que construiu sua própria floresta, começou muito antes de 1973, quando adquiriu o terreno que se transformaria em um dos “cases ambientais” mais bem-sucedidos já registrados pela humanidade.

Filho de agricultores, Antônio, em entrevista ao portal Pensamento Verde, contou que cresceu em meio a uma rotina do campo, ajudando seus pais e tios no cultivo de terras da família. Entretanto, desde pequeno, sempre observou com preocupação a destruição da fauna e flora, motivado pelas ações de expansão dos campos.

Entre os diversos problemas gerados pelo movimento dos agricultores na época, Antônio destaca que um, em especial, lhe chamava ainda mais atenção: a água, que ele enfatiza dizendo que “ela é uma só e ninguém fabrica”. Para os seus conhecidos, alertava que um dia o recurso acabaria e todo mundo sofreria com as consequências.

Agravando ainda mais o cenário, naquele tempo o país passava por um processo de fortalecimento do setor agrícola e aqueles que se interessassem obtinham facilidades do governo para adquirir terrenos, que almejava o desenvolvimento de tecnologias agrícolas. “Eles cortavam as árvores para criar pastagens e produzir carvão”, recorda.

Reprodução / Pouso do Rochedo “A água é uma só e ninguém fabrica”, lembra Sr. Antônio.

Observando os avanços das ações agrícolas, Antônio ainda alertou sobre a falta de preocupação com o recurso mais importante do planeta e que um dia ele (a água) acabaria secando se as coisas continuassem daquela forma, desencadeando uma série de problemas para os moradores da região, para a produção de novas mudas, falta de recursos para as árvores das florestas, enfim, para todo mundo.

Foi então que o comerciante de 40 anos de idade, decidiu vender seu negócio e começar o grande projeto de sua vida, visando não só a preservação da natureza, mas (porque não?) o benefício próprio. Há exatos 44 anos, seu Antônio comprava o terreno de 31 hectares e dava início a um visionário processo de reflorestamento da área, projetando que, no futuro, alguém poderia colher os frutos das sementes cultivadas por ele (assim como ele mesmo o fez durante a vida toda).

No começo, o chamavam de louco por acreditar que uma ideia maluca dessa pudesse dar certo. Hoje, o “pai” de uma floresta com 310000 metros quadrados se orgulha ao falar dos recursos recuperados graças à dedicação e entrega de mais da metade de sua vida. O local conta com oito cachoeiras, diversas minas de água, frutos e cerca de 50 mil unidades de plantas (plantadas e cultivadas, uma de cada vez, por ele mesmo).

Como esperado, o que hoje é visto como um grande legado de sucesso, não foi construído sem sofrer com grandes dificuldades durante a trajetória. Entre as ações mais exigentes de seu trabalho, Antônio destaca que, sem dúvidas, formar as mudas e (depois) puxá-las para o alto das montanhas era o mais difícil de se fazer.

“O processo sempre foi muito complicado, porque tinha de esperar elas crescerem o suficiente, até porque a água não sobe dois mil metros de altura”, completa. Sr. Antônio explica que era necessário enfileirar cinco, seis burros de carga para fazer o transporte e subir com as mudas para as regiões mais elevadas das montanhas – que contavam com quase ou nenhuma vegetação.

Reprodução / Pouso do Rochedo Algumas espécies de animais se beneficiaram do projeto do Sr. Antônio.

Mas o trabalho árduo de mais de quatro décadas se justifica não só com a satisfação pessoal do homem de 84 anos, que pode realizar seu grande sonho de vida, mas, principalmente, por tudo aquilo que a floresta, localizada no meio da Serra da Mantiqueira, trouxe para o ecossistema local.

Graças ao espaço recuperado, algumas espécies de animais (aves, esquilos, gambás, entre outros) puderam se beneficiar e impedir que algumas de suas populações fossem extintas daquela região. Ainda assim, muitos animais nunca chegaram a se instalar no local, já que a floresta é cercada por campos de produção agrícola e áreas secas, o que sempre impediu a migração de espécies oriundas de outras florestas.

Além da contribuição para a fauna e flora, vale destacar a importância do terreno no trajeto das águas da Mantiqueira, que é a responsável por nascentes de rios que fornecem água para grandes cidades brasileiras. Pode se dizer, inclusive, que sua “pequena” contribuição hoje é uma das responsáveis por abastecer o rio Jaguari (o mais importante do Sistema Cantareira, que é o principal da população de São Paulo).

“Eu me sinto realizado com o grande trabalho de reflorestamento que pude realizar”, comemora com orgulho. Dono de uma pousada (Pouso do Rochedo) ligada ao terreno, ele hoje vive para administrá-la e manter todo o lugar.